Contemporânea

Onde nos leva a modernidade? Por caminhos ínvios, a maior parte das vezes. Somos tentados a cotejá-la  com a qualidade - é moderno logo é bom - quando, no máximo, apenas se relaciona com a novidade. E a novidade, vale ela, per se, a pena? Nos momentos de crise espera-se ansiosamente por algo diverso que arranque o quotidiano às más notícias e nos arranque do quotidiano - o que melhor, portanto, que adjectivar como "moderno" qualquer empreendimento? Vale pois a pena a novidade, quanto mais não seja para vender melhor...

Primeira lua cheia da Primavera, a anunciar a Páscoa próxima, boa companhia para a deslocação a uma destas novidades, "Tasca Moderna" de seu crisma. Espaço amplo em edifício secular, recuperado sem excessos de arquitectura e com sensibilidade quanto baste para conciliar as pré-existências com as necessidades da função. Decoração a oscilar entre a sobriedade dos materiais, a trouvaille da solução de revestimento de uma das paredes, a ironia do quadro em face ao GinBar e a chatice das cadeiras desirmanadas (que conferem um carácter de "cadeira russa" à escolha da mesa: ai da sanidade do... serão de quem ficar com um dos assentos desconfortáveis). Nenhuma alusão no espaço que permita a identificação com o nome.



Mesas de geometrias e dimensões diversas a permitir várias soluções combinatórias, suspeito que eventualmente problemáticas na hora de conciliar a acomodação de vários pares com a existência de  lugares em apenas mesas para muitos.

A carta, nas suas 19 propostas, apresenta um pot-pourri de petiscos ibéricos, a denunciar a origem galega do proprietário: queijos em tacho de barro, salada de bacalhau com caviar de ouriço, salada de vieiras, croquetas, arroz de verduras, ovos rotos com bacalhau, filetes de polvo, sashimi de salmão (?), carrilleras ao vinho tinto, frango bâton, polvo à galega, mollejas de ternera, mexido de gulas e camarão, plumas, farinheira grelhada com grelos, entrecôte de boi, bacalhau com broa, fideuà, atum braseado. Algumas propostas de encher a gula aos mais interessados nas cozinhas do país vizinho mas uma desilusão para quem, pelo nome do restaurante, esperasse reinvenções dos tradicionais "comes" de uma taberna lusitana...


Deixando a quase desilusão para trás, partiu-se à descoberta de alguns dos pratos:

Salada de Vieiras com queijo azul
Mollejas de Ternera
Gulosas, a cebola a acrescentar "pico" e a acentuar a tranquilidade da textura dos pedaços de molleja /timo

Filetes de Polvo
Panados, ao contrário do que por cá habitualmente se faz, mas nem por isso menos saborosos,  bem cozidos, sem excesso de óleo.
O arroz acompanhante correcto, sem deixar, no entanto, grande memória

Ovos Rotos com Bacalhau
Bacalhau, batatas, pimentos e chistorra, variante basco-navarra da nossa linguiça. Simpáticos, sem serem muito puxados no tempero, a chistorra incógnita, perdida, sem justificação para o seu uso em detrimento do produto nacional.

Assim se preencheu a primeira ronda dos pedidos, seguindo a sugestão de ir encomendando pouco a pouco, já que o restaurante se baseia num conceito de rápida resposta da cozinha. Da rapidez, não se viu sombra, tal o tempo de espera pela seguinte leva...

Deu tempo para aprofundar o conhecimento com os vários Gin&Tonic que me parecem poder vir a ser a grande bandeira do estabelecimento... apesar dos demolidores valores pedidos ( 9 / 10 euros).









Adiante que os pratos acabaram por chegar...

Fideuá
Tamboril, lulas e camarão. Branda.

Croquetas
"Moles", sem emoção. A não conseguirem apagar a memória dos croquetes do Gambrinus, nem mesmo os de muitas tascas do meu antigamente...

Farinheira da Taberna
Grelhada, sobre cama de grelos. Correcta.

Bacalhau com grelos e broa
Gordura a ultrapassar ligeiramente os limites, entre a broa e o tempero.

Quanto às sobremesas, provado quase o pleno, entre a galega leite frita,


e trio Tiramisú, Crumble de maçã com gelado de baunilha e Tarta de Santiago.


Propostas entre o muito visto e o menos habitual mas todas de importação e muito longe de tabernas ou tascas...

Que impressão desta Taberna Moderna? Uma dissonância clara entre o nome e o conteúdo atenuada pela razoabilidade das propostas, sua confecção e preço (todas entre os 6 e os 14 euros, com excepção do Entrecôte; sobremesas a 5 euros). (Lamento a oportunidade perdida - gostaria de experimentar uma cozinha com recriações contemporâneas dos pratos de taberna lisboetas.) Carta de vinhos não muito extensa, preços habituais. Serviço simpático, atento, competente quanto baste.

A experimentar por curiosos ou saudosos das cozinhas ibéricas ainda que, neste campo, tenha competidores já mais experimentados no terreno e que me parecem  - pelo menos por enquanto! - ter melhores argumentos.

Classificação: Cozinha - 3,7/5 ;  Global - 14,1/20

Taberna Moderna
Rua dos Bacalhoeiros 18 ABC, Lisboa
Tel. 218865039

Comentários

Luis Carballo disse…
Muito obrigado pela sua critica Pedro! Gostei. Ainda somos um bebé com mês y meio de vida. Cada dia estamos a dar todo o nosso máximo carinho na confecção dos pratos, afinando a cozinha e também melhorando o serviço. Espero que a sua próxima visita no futuro seja mais satisfatória produto da nossa evolução.
Pedro Cruz Gomes disse…
E eu gostei do fair-play, Luís e do compromisso. Casas atentas e a querer evoluir a cada dia é o que se agradece.

No último ano..