Dinastia de Aviz
Todos os tempos, todos os países, todos os grupos, têm as suas lendas, legendas do que foi para os que são, um caminho de migalhas para decifrar as interrogações da floresta, manual de instruções para o percurso.
Durante muitos anos - anos de penúria com um nicho de fartura - a lenda cultural deste país foi a da distante figura de um milionário arménio que, seduzido pela hospitalidade de um povo, a ele legou a sua imensa fortuna para aplicação exclusiva nas artes e nas ciências, com a contrapartida única de lhe ser prolongada a memória para todo o possível sempre.
Parte dessa hospitalidade a ele prodigamente proporcionada durante os anos de refúgio das agruras mundiais da Segunda Guerra e depois continuada, devemo-la à equipa do seu único local de estadia português: o mítico, perdido nas névoas, injustamente camartelado, Aviz Hotel.
Adaptação da residência do antigo proprietário do jornal "O Século", inaugurado em 1933, resistiu até 1961, quando foi encerrado para posterior demolição no ano seguinte, acolhendo o quarteirão que ocupava os ainda existentes edifícios Aviz e Sheraton.
Vinte e oito anos. Pouco tempo, para tanta História. Para tantas histórias, muitas delas passadas às mesas do seu restaurante, o qual, como o espaço que o albergava, proporcionava refeições de luxo, fortemente devedoras da tradição francesa, organizadas, durante muitos anos, por Mestre João Ribeiro, figura maior da culinária portuguesa do século XX (ver O Livro de Mestre João Ribeiro, de José Labaredas e José Quitério)
Após o encerramento do hotel, os responsáveis pelo restaurante decidiram continuá-lo noutro local, inaugurando casa na rua Serpa Pinto, ao Chiado, em 1966, de onde mudou para as Amoreiras e, finalmente, para o Monte Estoril, resistindo aos açoites do tempo e dos homens.
Em 2005, foi inaugurado novo Hotel Aviz, propriedade da Fundação Oriente, sendo nele integrado o restaurante, fiel deposítário de muitas das peças da baixela Christoffle original e do serviço Vista Alegre, ainda em serviço.
Foi no seu espaço que, na semana passada, se organizou um almoço para apresentação da nova carta de Primavera-Verão, num tour de force de realçar, com cada conviva a ser presenteado com uma criação diferente, conseguindo-se assim trazer a uma só refeição praticamente todos os pratos que passaram a estar disponíveis nesta temporada.
Quais os vectores que me pareceram mais relevantes nas propostas do chef Cláudio Pontes?
Curiosidade em relação às matérias primas nacionais, traduzida na variedade de peixes abordados, nas diversas peças e proveniências de carne, nos complementos /acompanhamentos.
Cuidado visual, tanto na composição do prato, como na complementaridade das cores, na sua vibração.
Economia: recusa do excesso, tanto no número de componentes, como na apresentação. Less is more, parecem dizer-nos, luxury is simple.
Durante muitos anos - anos de penúria com um nicho de fartura - a lenda cultural deste país foi a da distante figura de um milionário arménio que, seduzido pela hospitalidade de um povo, a ele legou a sua imensa fortuna para aplicação exclusiva nas artes e nas ciências, com a contrapartida única de lhe ser prolongada a memória para todo o possível sempre.
Parte dessa hospitalidade a ele prodigamente proporcionada durante os anos de refúgio das agruras mundiais da Segunda Guerra e depois continuada, devemo-la à equipa do seu único local de estadia português: o mítico, perdido nas névoas, injustamente camartelado, Aviz Hotel.
Adaptação da residência do antigo proprietário do jornal "O Século", inaugurado em 1933, resistiu até 1961, quando foi encerrado para posterior demolição no ano seguinte, acolhendo o quarteirão que ocupava os ainda existentes edifícios Aviz e Sheraton.
Aviz Hotel, visto do largo fronteiro à Maternidade Alfredo da Costa Fonte: Arquivo Fotográfico de Lisboa |
Após o encerramento do hotel, os responsáveis pelo restaurante decidiram continuá-lo noutro local, inaugurando casa na rua Serpa Pinto, ao Chiado, em 1966, de onde mudou para as Amoreiras e, finalmente, para o Monte Estoril, resistindo aos açoites do tempo e dos homens.
Em 2005, foi inaugurado novo Hotel Aviz, propriedade da Fundação Oriente, sendo nele integrado o restaurante, fiel deposítário de muitas das peças da baixela Christoffle original e do serviço Vista Alegre, ainda em serviço.
Foi no seu espaço que, na semana passada, se organizou um almoço para apresentação da nova carta de Primavera-Verão, num tour de force de realçar, com cada conviva a ser presenteado com uma criação diferente, conseguindo-se assim trazer a uma só refeição praticamente todos os pratos que passaram a estar disponíveis nesta temporada.
Quais os vectores que me pareceram mais relevantes nas propostas do chef Cláudio Pontes?
Curiosidade em relação às matérias primas nacionais, traduzida na variedade de peixes abordados, nas diversas peças e proveniências de carne, nos complementos /acompanhamentos.
Cuidado visual, tanto na composição do prato, como na complementaridade das cores, na sua vibração.
Economia: recusa do excesso, tanto no número de componentes, como na apresentação. Less is more, parecem dizer-nos, luxury is simple.
Cozinha portuguesa no seu traço mais historicamente cosmopolita, com a absorção de produtos, técnicas e preparações de origens diversas, conjugando tradição e modernidade.
Recusa da monotonia na boca, com o uso de texturas contrastantes, oposições de gostos básicos que prolongam, em termos de flavour, as promessas visuais.
Quanto ao provado:
Para entrada, um ceviche pleno de frescura, que acrescenta à macieza da carne, o crocante da telha, visualmente a evocar a ribatejana fataça na telha.
Corvina em ceviche, pêra abacate, lima e chili |
Bicuda dos Açores, milho frito, linguiça e salsa |
Toiro das lezírias em tártaro, farpas, foie gras e maracujá |
Para terminar em beleza, maracujá em diversas texturas e densidades. Quente/frio, etéreo/denso, retinta ou levemente doce. Belíssimo final, para uma belíssima refeição.
Soufflé de maracujá roxo com sabores dos Açores |
Conjugar o peso da tradição com um obrigatório olhar contemporâneo é tarefa difícil que aqui parece plenamente conseguida. Os anos passados com Aimé Barroyer no Tavares parecem ter deixado em Cláudio Pontes as melhores qualidades do chef francês que um dia começou a contar uma história de descoberta de tesouros gastronómicos portugueses que outros agora prolongam e eu espero que não vá ter fim.
Segredo bem guardado que importa divulgar, na rua Duque de Palmela, artéria com memórias ainda frescas de outras histórias (Expresso, Bucholz), este Aviz merece uma visita de descoberta. Ou várias, assim se evaporem as provisórias medidas de retenção com que o Governo insiste em restringir o nosso orçamento.
Restaurante Aviz
Rua Duque de Palmela,32 - Lisboa
Reservas:(351) 210 402 104
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