A França por regiões #2 - Aquitaine (I) - Pyrénées-Atlantiques



Aquitaine: o Sudoeste francês. Como Portugal, esta região está muito longe da homogeneidade, tanto geográfica como cultural. Limitada pelos Pirinéus, pelo Atlântico e pelo Maciço Central, nela convivem bascos e gascões, girondinos e landeses, unidos pela identidade nacional mas sobre um subestrato de identidades historicamente diversas, de que são manifestação as três línguas regionais - occitan, basque e saintongeais-  faladas essencialmente no mundo rural, por quase 10% da população.

Entrando na região pelo Sul, como compete a um lusitano descobridor vindo da espanhola A8, encontra-se um mundo que fala francês mas que é basco na matriz cultural, o que lhe esbate as diferenças para o outro lado da fronteira. St. Jean de Luz, Biarritz, Bayonne, numa sucessão de ecos de um passado estival grandioso, de hoteis fin-de-siécle, famílias burguesas em férias anuais com criadas de fora, amas, gentleman's gentlemen, mas também de uma actividade piscícola florescente até ao escoar dos stocks no Golfo da Biscaia numa primeira fase (o que levou as frotas a buscarem as longínquas paragens da Terra Nova), e aos rearranjos europeus concertados em Bruxelas.


Estamos no departamento dos Pyrénées-Atlantiques composto pelo País Basco Francês e pelo Béarn.

País Basco onde impera, rei, o pimentão/Piment d'Espelette


espécie de faz-tudo culinário basco, maria-vai-com-as-outras gastronómica que perfuma e coloriza a maior parte dos pratos tradicionais. Única especiaria seca produzida em França, este pimentão está igualmente disponível numa ampla gama de condimentos - como o puré (usado como mostarda) ou a geléia de pimentão. É especialmente efectiva numa grillade ou num pot-au-feu, mas é igualmente deliciosa como integrante da Bayonnaise, numa emulsão de óleo e gema de ovo.

Os bascos franceses têm igualmente o "seu" queijo, o ardi gasna, queijo de ovelha que casa na perfeição com a compota de cerejas pretas local.


Com uma zona delimitada que se prolonga pelo vizinho Béarn, o Ossau-Iraty tem denominação de origem controlada e é igualmente um queijo de ovelha.

O Jambon de Bayonne concorre com os seus primos espanhóis na fama e no sabor. Tem Indicação Geográfica Protegida, comum ao Béarn

Experimente-se degustar o Ardi Gasna desta maneira: Colocar num refractário cubos de batata cozidos em vapor, cobrindo-os com fatias de queijo de ovelha. Colocá-lo no forno até que o queijo esteja derretido e ligeiramente dourado. Um pouco antes do final, acrescente um pouco de natas.

Dos pratos tradicionais, salientem-se o ttoro [tioro],

(Autoria: Dairian, Picasa album)
um prato a meio caminho entre o guisado e a sopa de peixe, originalmente à base de bacalhau, recorrendo-se no presente à pescada e ao congro, entre outros peixes brancos, para além de vários bivalves (mexilhão, principalmente) e lagostins; o  marmitako,

(Fonte: Wikimedia commons)
uma preparação à base de atum, tomate e batatas, pimento, alho e cebola; o merlu koskera

(Autoria: Chantal; ver receita aqui)
um prato de pescada; o bacalhau/bakalao al pil-pil (ver receita aqui).

No interior, encontra-se uma cozinha mais próxima da tradição pastoral, constituindo o porco e o carneiro a base da maioria das preparações culinárias.

O zikiro,

(Fonte: Diario de Navarra)
é uma churrascada comunal de pernas de cordeiro, acompanhadas de feijão branco e de um molho  de preparação "secreta"; o axoa [achoa]

(Fonte: Wikipedia)
é um guisado de pedaços de cordeiro e pimentos vermelhos (com inúmeras variações posteriores no ingrediente principal); a pipérade,

(Fonte: Wikipedia)
um molho à base de pimentos, cebola e tomate, acompanhante de inúmeros pratos, um dos quais o célebre poulet basquaise.

O taloa

(Fonte: Wikimedia commons)
é uma espécie de crepe feito originariamente com farinha de milho (hoje em dia metade-metade com farinha de trigo), podendo ser consumido com açúcar ou salgado, enrolado em volta de uma boa fatia de presunto de Bayonee ou de queijo fresco de ovelha.

O Béarn, mercê das memórias de uma retinta série de ORTF dos anos 70 foi sempre para mim terra de excessos e bravuras medievais, corporizadas na lendária figura do 3ª conde de Foiz, Gaston Phébus.



Mais recente é a memória da bela Adjani-Margot casada por interesses politico-familiares com Henrique de Navarra, tendo como cenário o convento de Mafra, segundo S. Patrice Chéreau.



Contrariamente ao que o nome fará pressupor o único prato com o nome da região - o sauce béarnaise - foi inventado em Paris, pelo verdadeiro criador das batatas insuflada, provavelmente em homenagem ao rei Henrique IV. Mas o Béarn tem pratos seus, para além dos comungados com os seus vizinhos bascos:

A poule au pot 

(Fonte: Wikipedia)
que não é mais do que um cozido de galinha com legumes (cenouras, nabos, alho francês, cebolas, cravinho) mas que aroma, que riqueza de sabor!

A garbure 

(Fonte: Wikipedia)
é uma sopa de couve, com pedaços de legumes e carnes diversas, cozinhados lenta e longamente. A diversidade é exigida: do lado dos legumes, lombarda,  feijoca ("haricot maïs du Béarn") fresco ou seco, favas, ervilhas francesas ("mange-tout"), batatas, nabos, ervilhas, cebolas, às vezes cenouras, aipo bola, alface, castanhas; do lado das carnes, coxas de pato, confitadas na sua gordura, mas a carcaça e os seus miúdos, joelho de porco seco, o osso de um presunto, um pedaço de pescoço de porco, salsichão, morcela não  são desconhecidas na preparação.

Quanto aos vinhos, as duas províncias produzem, Jurançon e Jurançon sec; Madiran e Pacherenc du Vin Bith; Béarn Bellocq; Irouléguy, este com Denominação de Origem Controlada (ver características e maridagens aqui).

(Fonte: OrganicWineJournal.com)

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