Lucky Luca

Afortunado Luca Collami por viver numa região gastronomicamente rica de um país rico em tradição.

Afortunado Luca por poder ver reconhecida a sua arte, construída sobre sensibilidade e bom senso, sobre as matérias primas, as memórias e os saberes ancestrais da sua Ligúria.

Afortunado Luca que nos visitou no âmbito do Peixe em Lisboa e pode disfrutar deste Sol e deste peixe e de um público interessado em conhecer as suas propostas.


Afortunados nós?

Como escrevi há umas semanas, tinha a expectativa de ver trazidos ao festival algumas das criações mais emblemáticas do seu restaurante. Ao invés, os pratos apresentados procuraram ser uma introdução à cozinha de território lígure. Intenção louvável nestes tempos que se pretendem de redescoberta das tradições e dos modos locais, da sua conterrânea inspiração Slow Food.

Considerando eu que todas as experiências que vivemos são sempre enriquecedoras não tenho dúvidas de ter saído da sua apresentação mais rico do que entrei... ainda que com sentimentos contraditórios. É suficiente a um chef estrelado - por mais exemplar que seja a técnica, mais correcta a receita, melhores os ingredientes - apresentar três pratos que mais não são que uma "miniatura", um leve roçagar pelo que deve ser - tem de ser! - uma grande cozinha, merecedora de encómios e galardões? Não será diminuidor para o próprio e para a imagem que de si ficará para um público conhecedor? Não merecerá mais empenho - ou, porque não, maior arriscar - quem se dá ao trabalho e à despesa de o vir ver?

Concluam vocês, leitores meus.

Como início, a feitura de um dos mais celebrados pratos lígures -  cappon magro. Essencialmente uma combinação de vários tipos de vegetais, peixe, ervas aromáticas e azeite, permite dezenas de variações, à vontade da cozinheira e de acordo com as disponibilidades da estação e do orçamento. De origem antiquíssima, apropriado por todos, ricos e pobres, a justificação para o nome varia - o que só será importante para os historiadores. Importante para todos, o prazer que advém da sua degustação, maior ainda se deixada de espera para o dia seguinte ao da sua feitura.

O elemento essencial é o molho verde - muita salsa, alcaparras, biqueirão, ovos cozidos, miolo de pão aboberado em leite e azeite - que irá ligar todos os restantes ingredientes.

Galletta di marinaio
equivalente aos biscoitos utilizados no passado pelos marinheiros, farinha e água, recuperado pelo chef para a sua versão do cappon, aboberados em azeite e água para amolecer



Camada a camada, se construiu o prato... bello!





Segundo prato, uma homenagem a Lisboa e uma possível geminação com a sua Génova: o "nosso" bacalhau, fresco, em carpaccio (ligeiramente salpicado com flor de sal), em diálogo com um pesto bem tradicional, preparado na hora. O manjericão genovês (basilico genovese) - uma variedade local com Denominação de Origem Protegida - ficou em casa, sendo utilizada a variante portuguesa, facto que o chef não deixou de assinalar.

As matizes de tom do bacalhau, o "rugoso" do pesto a contrastar com a suavidade do peixe...

O mortaio familiar, trazido na bagagem.
Quanto mais usado, melhor o sabor do pesto que dele sai preparado...





Efectivamente muito simples - fica por confirmar a bondade da ligação bacalhau-manjericão... - mas que chamamento! Não acham?
 


Finalmente, uma salada fresca de Verão, aqui feita com cavala fumada, peixe preferido pelo chef no restaurante ao mais usual atum.



Elaboração visualmente cuidada de um prato popular, descuidada e diariamente elaborado pelas donas de casa lígures, peixe, pão torrado e ervas...



Conclusão final?

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No último ano..