Culinary Arts 2.07 - Calor! Ias?

Enquanto um dilúvio impregnava a sala de refeições de um cinzento azulado capaz de abalar o mais entusiasmado dos convivas,


e Lisboa aprovisionava água nos improváveis mas provados reservatórios viários que começaram a aparecer neste Outono, prenhe de chuvadas estatisticamente extemporâneas,


dois coros preparavam-se para reproduzir, na sala, o milagre de equilíbrio polifónico prestes a ser reconhecido, na fria Paris, como património imaterial da humanidade.

Mãos seguras, atenção precisa, várias preparações em simultâneo, na cozinha.

Mãos cada vez mais seguras, responsabilidades cada vez mais desenvoltas, na sala.

Um verdadeiro mistério de fé, as marcações esgotadas para uma carta propositadamente avara nas explicações, provocatória como é tom.

Shaken pela chuva, nada como um aperitivo para apaziguar.


Farinha de castanha na preparação do brioche, a acamar ainda a lembrança do Natal passado, um lacrimal pedaço de foie, tão cedo partido desta vida descontente... Salada de funcho, contrabalançando.


Diospiros/suspiros na salada, frutos que concentram duas ou três memórias de outros frutos a criar um nariz vinícola: aromas de fruta no olhar, na boca, o mar de um atum dos Açores, propositadamente cozinhado até ao equilíbrio - deixando o braseado para outros mares.


Beringelas, com uma chapelada à cozinha árabe, do Norte de África ou do Próximo Oriente, recheadas com borrego e pinhões, banhando-se em molho de tomate.



Um dourada que pode não ter ficado a mais sexy das pin-up fotografadas, mas que, no palato, com o seu purá de grão, estava supimpa.


Nota para a descontruída tagine, segunda referência ao mundo norte-africano.


E um tour de force chegado a bom porto: uma carne que resistiu, enquanto pode, à faena da cozinha mas que, no fim, proporcionou aos lidadores, duas orelhas e volta à bancada.

Desfiada, esteve um mimo, muito bem coadjuvada por um croquete de mandioca, recheado com queijo sobre crocante de morcela.


Inevitável, a sobremesa, cornucópia com recheio de mousse de café e citrinos, coulis de frutos silvestres e, discreta, a estrela da companhia: mousse de chocolate, coroada com a perfeição de um alento de flor de sal e a graça de um fio de azeite.


Saúde!

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