O Vitelão de Montado do Solar da Giesteira


Uma das minhas frases formativas mais antiga, usual na boca de uma das minhas avós era a de que "com muito dinheiro é fácil gerir uma casa; com pouco é que se torna uma arte".

Mutatis mutantis, com solos ricos é fácil ter uma boa agricultura; o difícil é transformar um solo difícil numa exploração rentável a longo prazo.

Ainda que, até há poucas décadas, a população portuguesa estivesse maioritariamente agregada ao sector primário, o país tem, na maioria do seu território continental, solos com pouca aptidão agrícola, com rendimentos baixos. No Alentejo, os séculos e a adaptação dos seus habitantes às difíceis condições oferecidas levaram à aplicação de um sistema equilibrado que conseguiu extrair o máximo de rendimento do potencial disponível - o montado.

O montado é um sistema integrado de produção diversificada - agrícola, silvestre e pastoril - que aproveita extensivamente (ou seja utilizando os recursos naturais, sem uso de tecnologia para aumento da produtividade) as disponibilidades locais, com vista à obtenção de produtos de interesse económico. Por exemplo, os sobreiros possibilitam a produção de cortiça mas igualmente de bolota a qual servirá para alimentar o gado; os terrenos agrícolas produzirão trigo, cevada ou aveia mas igualmente forragem, nos tempos de pousio; as plantas de flor (esteva, madressilva, rosmaninho, tojos, urzes), endógenas, possibilitam a actividade apícola, com a produção de mel, geleia real, melada e pólen; as plantas comestíveis e as aromáticas (espargo, rosmaninho, tomilho) bem como as medicinais, são fonte de alimentação e rendimento, assim como os cogumelos (boleto, cilarca, túbera, pucarinha pleuroto ostráceo; várias espécies animais que compõem o eco-sistema (coelho-bravo, lebre, perdiz-vermelha, pombo-torcaz), têm igualmente interesse cinegético.

É neste sistema equilibrado entre a preservação ambiental e a actividade humana rentável que opera o Solar da Giesteira, uma exploração agro-pecuária que produz carne de vitela, vitelão e borrego. Criados nos largos hectares da herdade, sem o stress adicionado pelos espaços confinados, com alimentação exclusivamente composta por pastagem e bolota, resultantes do cruzamento de quatro raças (a portuguesa alentejana e as francesas charolês, limousine e salers) que optimiza características físicas (ratio carne/esqueleto, precocidade de crescimento, facilidade de dar à luz, boa capacidade de amamentação), bem como organolépticas (sabor, tenrura, suculência), os animais têm um grande potencial no que respeita à qualidade da carne, sendo possível afirmar-se que estes conjunto de características de produção formam o que no mundo vinícola habitualmente se designa por "terroir", responsável pela especificidade do produto final.

Para dar a conhecer as características da carne de vitelão criado na propriedade e por si comercializada, organizou a empresa um almoço no restaurante Populi, escolhendo dois cortes menos prezados - ganso e sete da pá - provando complementarmente que, desde que acertadamente preparadas, as erradamente denominadas "carnes de 2ª" apresentam características de tenrura e sabor ao nível dos cortes mais conceituados.

O ganso redondo faz parte do quarto posterior da carcaça (as patas traseiras) sendo um dos constituintes da chã de fora a qual, é constituída pelos músculos exteriores da coxa e que se situa entre os gastronomicamente mais famosos alcatra, rabadilha e pojadouro e o discreto chambão.

Ganso redondo
(Fonte: "Definição Anatómica das Peças de Talho", Ivo Soares, Lisboa, 1959. Por atenta indicação de Virgílio Gomes)
Já o Sete da Pá pertence, como o nome indica, à pá (perna anterior).

Sete da Pá
(Fonte: "Definição Anatómica das Peças de Talho", Ivo Soares, Lisboa, 1959. Por atenta indicação de Virgílio Gomes)

Quanto ao almoço e aos pratos que incluíram os referidos cortes, foram provas superadas, como se disse, durante meses, em espanhol, na TVI inaugural.

Bom menu idealizado pelo chefe residente Ricardo Estevas, equilibrando sabores fortes com acompanhamentos mais leves, fugindo dos óbvios (fica na memória o orzotto do bosque que acompanhou a peça estufada!), "refrescando pratos do fundo do tempo (assados e estufados) com novos sabores. Quanto às carnes, as técnicas utilizadas foram as desde sempre utilizadas pelo povo (que a ele não chegavam os cortes de algo),ou seja as de cozedura lenta (assado e estufado) as mais indicadas para permitir a desnaturação do colagénto sem a secagem excessiva da peça.

Estaladiço de farinheira com cogumelos e redução de vinho do Porto

Ganso redondo Solar da Giesteira assado acompanhado por puré de batata doce


Sete da Pá Solar da Giesteira estufado acompanhado pelo Orzotto do bosque


Fondant de chocolate branco com gelado de tangerina

Foi possível assim perceber tanto as potencialidades destes cortes (e há muitos mais, à espera de cozinheiros amadores ousados!) como a excelência da produção do Solar que acrescenta um bónus aos cortes em oferta: a distribuição em Lisboa é personalizada, com entrega na morada indicada e sem custos acrescidos para encomendas superiores a 20€.

Da consulta do catálogo (aqui), percebe-se que há um mundo a explorar, dos cortes menos propalados aos especíalíssimos (lombelo à cabeça!), dos miúdos ao extraordinários (molejas!). E as peças podem vir inteiras ou já fatiadas com a espessura solicitada. Não é todos os dias que se encontra um fornecedor assim mas um dia há-de ser...

Quanto aos preços, uma agradável relação custo/qualidade. E não se esqueçam: não há peças de segunda, há em técnicas correctas - ao alcance de qualquer um - para cada uma!

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